INEXISTÊNCIA DE UMA TABELA REFERENCIAL DE HONORÁRIOS
Um dos vários obstáculos para a concepção e implementação de uma tabela de honorários para os atos de avaliação imobiliária, prende-se com a livre concorrência, e isto, porque, segundo esta perspetiva, uma tabela de honorários, a existir, impediria a lei da oferta e da procura e contrariaria a liberdade de cada um para negociar o preço que pretendesse pedir para a realização das avaliações. Isto é assim, porque a filosofia da liberdade de concorrência não patua com as tabelas de honorários fixos.
Este entendimento, até pode ter alguma lógica. De fato, a Tabela de Honorários, ao ser conhecida ou apresentada ao cliente, seria só por si, impositiva do preço, dado que o cliente a tomaria como representativa da classe e não do avaliador que está em vias de contratar. Como sabemos, existe um tendência para regatearmos os preços que não estão tabelados, e de ficarmos completamente inertes, perante os preços pré-estabelecidos. Deste modo, uma tabela impediria, em princípio, que alguém cobrasse um montante monetário superior ou inferior ao montante, na mesma estipulado.
Grande parte dos leitores, sobretudo os mais velhos, conheceram ou já ouviram falar da “TABELA MOP” (Tabela do Ministério das Obras Públicas). Trata-se de uma tabela que foi utilizada, durante muitos anos, pelos arquitetos para o cálculo dos seus honorários e que foi regulamentada pela portaria de 7 de fevereiro de 1972. Esta portaria aprovou as instruções para o cálculo dos honorários referentes aos projectos de obras públicas, definindo, em particular, os métodos de cálculos de honorários a cobrar pelos autores de projectos de obras públicas. No anexo II desta portaria figurava então a tabela referida. No entanto, a portaria nº 701-H/2008 de 29 de Julho veio alterar e substituir a portaria anterior e a velha “tabelinha” deixou de existir. Seguramente, foi objetivo do legislador, afastar de vez, todos os aspetos legais que pudessem pôr em causa, a livre concorrência.
No entanto, na minha opinião, a existência daquela “tabelinha” não impediu que a livre concorrência se manifestasse. De fato, consabidamente havia arquitetos que levavam 40% da tabela, outros que levavam 50%, outros que levavam 60%, etc.. Ou seja, apesar da tabela existir, a lei da oferta e da procura e o mercado livre concorrencial, sobreviveram. Portanto uma tabela de honorários para os avaliadores será sempre bem vinda e necessária e não obstaculizará a livre concorrência, obviamente, desde que não tenha uma natureza obrigatória, mas sim referencial.
Como vimos, a tabela para o cálculo dos honorários do serviço de avaliação, serviria para dissuadir o cliente de regatear o preço do serviço. Outra das finalidades dessa tabela, seria a de harmonizar os honorários junto dos avaliadores, e até, espante-se, elucidar, algum avaliador, sobre o nível de honorários a levar para determinado serviço de avaliação que nunca terá realizado.
Contudo, a riqueza da tabela de honorários, não se restringe apenas às 3 finalidades apontadas (elucidar e dissudiar os clientes, harmonizar os honorários e elucidar a classe). De fato, esta terá ainda, na minha opinião, que satisfazer outras finalidades, entre as quais:
a) Universalidade
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que servir a todos os tipos de profissionais de avaliação (os PAI – Peritos Avaliadores Imobiliários Registados na CMVM, os PAF – Peritos Avaliadores Fiscais, os PAOJ – Peritos Avaliadores da Lista Oficial de Justiça; e os PAON – Peritos Avaliadores de Outra Natureza).
b) Sistematização do objeto de avaliação
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que elencar, definir, categorizar e sistematizar todos os tipos possíveis de objeto de avaliação (fração habitacional, armazém, terreno para loteamento, hotel, marina, pedreira, eucaliptal, betoneira usada, outros tipos).
c) Sistematização dos tipos de ato de avaliação
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que elencar e definir todos os tipos possíveis de ato de avaliação, entre os quais: i) avaliação; ii) parecer; iii) reavaliação sem visita; iv) reavaliação com visita; v) vistoria; vi) resposta a quesitos judiciais; vii) esclarecimentos judiciais; e viii) outros tipos.
d) Sistematização dos tipos de finalidades de avaliação
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que elencar e definir as diferentes finalidades com que uma avaliação pode ser feita, entre as quais: i) avaliação para efeitos fiscais; ii) avaliação para efeitos de seguro; iii) avaliação para fins creditícios; iv) avaliação para efeitos judiciais; v) avaliações particulares; e vi) outros finalidades.
e) Sistematização das classes de repetição
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que elencar e definir as diferentes classes de repetição e terá que indicar, para cada uma delas, a percentagem de redução dos honorários.
f) Escalões de honorários
Na avaliação imobiliária sempre foi corrente balisar-se os honorários em função do valor avaliado. Quanto maior fosse o valor atribuído ao ativo maior seria a remuneração recebida pelo serviço de avaliação. Foi assim, desde sempre, mas há uns anos a esta parte, sobretudo por exigências de transparência da atividade de avaliação impostas pela CMVM, tal procedimento foi condenado e obrigado a ser substituído. Impunha-se erradicar de vez, a seguinte dúvida metodológica: Será que o avaliador, para receber mais dinheiro pelo serviço de avaliação, “empola” o valor do ativo??? Nesse sentido, e para estarem alinhados com a CMVM, alguns organismos estatais e não estatais, “encomendadores de avaliações”, conceberam tabelas de honorários baseados na classe de área do ativo, e não, no valor da avaliação. Ou seja, os honorários a pagar, serão tão maiores, quanto maior for a superfície do ativo.
g) Paternalidade da Tabela
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que ser concebida pelos avaliadores (que são os que elaboram o serviço), e não pelos clientes (que são os que encomendam o serviço).
Aproveito aqui para lançar a seguinte questão:
“No caso das avaliações para finalidade creditícia, terão as instituições financeiras, legitimidade para serem elas, as definidores dos preços a pagar pelo serviço de avaliação?” Lembrem-se que os PAIS externos não são assalariados mas sim prestadores de serviços, e como prestadores de serviço, deveriam ser eles os definidores do nível de preços a praticar, em função da perceção que têm sobre o tempo, conhecimento, tecnicidade e despesas, que afetam a cada ato de avaliação.
h) Sistematização das despesas conexas com o ato de avaliação
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que identificar e fornecer instruções para a determinação, sempre que se justifique, das diferentes despesas que o ato de avaliação possa acarretar, entre as quais; i) despesas com a deslocação; ii) despesas com o alojamento; iii) outras despesas.
i) Instruções para o cálculo e atualização temporal dos honorários
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que fornecer os valores referenciais para cada ato de avaliação, bem como a forma de atualização desses mesmos valores ao longo do tempo.
Apresentemos agora algumas reflexões sobre cada uma das finalidades enunciadas.
Universalidade
A tabela de honorários do serviço de avaliação terá que ser concebida e implementada por uma instituição não estatal já existente (associação de avaliadores, por exemplo), por uma instituição a criar (Ordem dos Avaliadores, por exemplo), por um grupo de avaliadores credenciados para o efeito (MPAI – Movimento dos Peritos Avaliadores Imobiliários Registados na CMVM, por exemplo) ou por um organismo estatal (CMVM, Banco de Portugal, por exemplo). Qualquer que seja a solução que venha a vingar, esta não poderá deixar de auscultar todos os tipos de profissionais de avaliação, para que a tabela resultante, possa ser abrangente.
Sistematização do objeto de avaliação
Evidentemente que a tabela deverá mencionar todos os ativos passíveis de serem avaliados. Não faz sentido a mesma indicar os honorários para diversos tipos de propriedades e ser omissa quanto aos honorários a pedir para a avaliação de uma pedreira ou de uma grua usada, ou para um esclarecimento judicial.
Já agora coloca-se a seguinte questão:
O objeto de avaliação poderá ser o de uma empresa?
Ou seja, poderão, os avaliadores imobiliários, avaliarem empresas, da mesma forma como já e frequentemente, avaliam alguns ativos empresariais (hotéis, marinas e pedreiras, outros)?
Sistematização dos tipos de ato de avaliação
Compreende-se, com facilidade, que não podem ser idênticos, os honorários a pedir para a avaliação e reavaliação de um ativo, quando feitos pelo mesmo profissional, apesar de em alturas temporais diferentes. De fato, o avaliador, na reavaliação, consumirá menos horas de trabalho porque grande parte da informação já foi tratada e integrada.
Sendo assim, a tabela deverá indicar a percentagem que deverá ser aplicada sobre os honorários da avaliação inicial, para assim, obter-se os honorários da correspondente reavaliação. Mas há também duas nuances para a reavaliação (com ou sem revisitação do ativo) e também deverão existir outros tipos de atos de avaliação, que deverão ser identificados e definidos na tabela para que ela possa ser global.
Deverá ser clarificado o que se entende por ato de avaliação, parecer de avaliação, opinião de valor, reavaliação, vistoria, etc.. A tabela deverá também informar sobre os elementos, componentes e procedimentos que deverão integrar cada um destes tipos de atos de avaliação.
Sistematização dos tipos de finalidades de avaliação
A ótica com que o cliente pretende que se avalie determinado ativo tipo poderá também influir nos honorários, uma vez que cada ótica tem diferentes exigências técnicas e volume de trabalho.
Sistematização das classes de repetição
Se o montante monetário expresso por “x” corresponder aos honorários fixados para a avaliação de uma fração habitacional”, os honorários para a avaliação de um prédio devoluto polifracionado com “n” frações com idênticas caraterísticas entre si, não deverá ser de “nx” dado que a avaliador beneficia do fato de uma grande parte do trabalho já se encontrar feito. Nesse sentido, e dependendo do nº de repetições, o valor a cobrar ao cliente será de “nxp”, sendo “p” o fator redutor que reflete a redução do volume de trabalho em resultado do número de ativos idênticos avaliados.
A tabela a conceber deverá indicar os intervalos de repetição e os respetivos fatores de redução de honorários.
Escalões de honorários
Já foi referido que a tabela a conceber deverá fixar os honorários em função da classe de área do ativo e não do valor avaliado. Mas dado a necessária natureza abrangente da tabela, haverá que definir outras variáveis para o cálculo dos honorários quando a natureza dos ativos nada tenha a ver com áreas. Pertencem a este grupo, as máquinas, equipamentos, pedreiras, marinas, esclarecimentos judiciais, outros.
Paternalidade da Tabela
Já foi referido que devem ser os avaliadores, em todas as suas especialidades, a contribuir para a elaboração da tabela. Na minha opinião, nessa tabela, poder-se-ia fixar os honorários mínimos a praticar para avaliações a realizar para a atividade creditícia. Tal não invalidaria que um PAI Singular Externo trabalhasse para um PAI Coletivo e recebesse o que este fixasse e não o que a tabela venha a preconizar.
Sistematização das despesas conexas com o ato de avaliação
a) Despesas com a deslocação
As despesas com a deslocação poderão ser calculadas das seguintes formas:
a.1) O valor da deslocação é igual ao produto da distância quilométrica de ida e volta percorrida pelo valor atribuído pelo avaliador a cada quilómetro percorrido;
a.2) O valor da deslocação é igual ao produto da distância quilométrica de ida e volta percorrida pelo valor fixado pela função pública para cada quilómetro percorrido;
a.3) O valor da deslocação é igual ao produto da distância quilométrica de ida e volta percorrida pelo valor do quilómetro calculado com base em 30% do preço do litro da gasolina super;
a.4) O valor da deslocação é apurado com base numa tabela que o avaliador dá a conhecer ao cliente e que faz corresponder a cada um dos locais da sua área de atuação, o valor da deslocação;
a.5) O valor da deslocação já se encontra incluído no valor dos honorários.
b) Despesas com a estadia
As despesas com a estadia poderão ser calculadas das seguintes formas:
b.1) O valor da estadia por dia é o fixado pela função pública;
b.2) O valor da estadia é o realmente dispendido e comprovado por factura.
c) Outras Despesas com o ato de avaliação
A tabela concebida deverá elencar as outras despesas que são passíveis de existir e que oneram o serviço de avaliação (por exemplo, o tempo gasto em reuniões com organismos estatais ou outros para a obtenção de informação de suporte à avaliação).
Instruções para o cálculo e atualização temporal dos honorários
Já devem ter percebido que uma tabela concebida com base nos requesitos apontados anteriormente deverá seguramente ficar extensa, dado existir um número elevado de tipos de ativos imobiliários, várias magnitudes de áreas para cada tipologia de ativo mensurável em m2, várias finalidades de avaliação, vários níveis de ato de avaliação, vários tipos de profissionais de avaliação, vários clientes ou encomendadores de avaliação, etc.. A título, de exemplo, reparem o que poderá vir a acontecer com a tipologia de ativo “fração habitacional”. Para este caso, a tabela deverá indicar os honorários para o serviço de avaliação de uma fração habitacional com área bruta privativa entre 20 a 50 m2, entre 51 e 150 m2, entre 151 e 300 m2 e com mais de 300 m2, para os serviços de reavaliação, com revisitação de uma fração habitacional com área bruta privativa entre 20 a 50 m2, entre 51 e 150 m2, entre 151 e 300 m2 e com mais de 300 m2, para os serviços de reavaliação, sem revisitação de uma fração habitacional com área bruta privativa entre 20 a 50 m2, entre 51 e 150 m2, entre 151 e 300 m2 e com mais de 300 m2, para o serviço de vistoria de uma fração habitacional com área bruta privativa entre 20 a 50 m2, entre 51 e 150 m2, entre 151 e 300 m2 e com mais de 300 m2, etc.. “Nesta brincadeira teórica” constatamos que a tabela para o ativo “fração habitacional” deveria indicar, no mínimo, 16 montantes monetários de honorários. Imaginem agora isto ampliado para moradias, lojas, armazéns, escritórios, terrenos rústicos, terrenso urbanos, etc.! A Tabela para o cálculo dos honorários do serviço de avaliação imobiliária, constituiria, assim, um documento, que só por sorte, não viria a ter mais páginas do que a própria Bíblia (perdoem-me o exagero).
Deste modo, a Tabela terá de ser pensada, em termos monetários, apenas para uma ou mais tipologias de ativo ou um ou mais grupos de tipologia de ativos, sendo que todos os outros honorários de avaliação, de todos os outros ativos, de todas as outras finalidades de avaliação, de todos os tipos de avaliadores, seriam obtidos com base na multiplição dos primeiros honorários por um grupo de fatores a fixar.
Uma vez criada a Tabela, deveria também ficar instituído na mesma, a forma como, em cada ano, os valores dos honorários seriam atualizados (com base no IPC, ou outro indicador).
Não cabe aqui neste artigo, a explicação teórica do modelo de cálculo dos honorários a desenvolver. Seguramente os futuros “desbravadores” da “THAI – Tabela de Honorários dos Avaliadores Imobiliários” arranjarão um modelo funcional e coerente.
Mas, o mais importante, caros colegas, é percebermos, que enquanto não tivermos uma Tabela, ficaremos sempre nas mãos dos outros e a receber sempre, o que os outros quererão que recebamos.
RUY FIGUEIREDO
16 DE JULHO DE 2018