QUADRO REMUNERATÓRIO DESADEQUADO
Antes de conversarmos sobre as remunerações auferidas pelos colegas avaliadores que operam no mercado nacional, convém referir, que existem diversos tipos de avaliadores e consequentemente diversos quadros remuneratórios.
Consabidamente existem os PAI – Peritos Avaliadores Imobiliários Registados na CMVM, os PAF – Peritos Avaliadores Fiscais, os PAOJ – Peritos Avaliadores da Lista Oficial de Justiça; e os PAON – Peritos Avaliadores de Outra Natureza.
Os Peritos Avaliadores Imobiliários Registados na CMVM integram duas subclasses, a saber: a do Peritos Singulares e a dos Peritos Colectivos (empresas de avaliação).
Foquemo-nos, neste artigo, apenas no quadro remuneratório dos PAI Singulares, dado que para a outra subclasse e restantes classes, não se percepcionam actualmente queixas generalizadas de desajustamento remuneratório.
Pois bem, existem actualmente, 839 PAIs, dos quais 162 são colectivos e os restantes 677 são singulares. Dos 677 singulares, 400 são externos e 277 são internos.
Os PAI Singulares internos operam no “back office” das empresas e no geral são assalariados, recebendo todos os meses determinado montante monetário contratado (actualmente – Julho de 2018, cerca de 1.200 €, no mínimo). Os PAI Singulares externos prestam serviços aos PAIS Colectivos e também para outros clientes.
Grande parte do serviço de avaliação prestado pelos PAIS Singulares está direcionado para a actividade creditícia, ou seja, estes profissionais avaliam fracções que os clientes das instituições bancárias querem adquirir através de empréstimos a conceder.
As instituições bancárias encomendam o serviço de avaliação aos PAIS Colectivos e estes, por sua vez, encomendam o serviço recebido aos PAIS Singulares, que são assim os últimos actores ou intervenientes da cadeia.
Em termos gerais e médios, a banca faz-se pagar pelo serviço de avaliação de cada fração, entre 200 a 240 €, os PAIS Colectivos recebem da banca, entre 65 a 100 €, e os PAI Singulares recebem na sua grande maioria, 35 €, sendo que existem notícias de pagamentos mais elevados (40 a 60 €), mas oriundos de uma minoria de empresas.
Se considerarmos que os recebimentos por peça são respectivamente para a banca, PAI Colectivo e PAI Singular, de 220, 80 e 35 €, então facilmente concluiremos que as receitas brutas para cada um destes actores e por peça, após pagarem os serviços de avaliação a jusante, situar-se-ão respectivamente e em termos médios em (220 – 80 = 140), (80 – 35 = 45) e 35.
Como se verifica, a remuneração auferida pelo PAI Singular é duplamente injusta, e isto porque:
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Há desproporcionalidade remuneratório entre os vários intervenientes (a banca recebe 4 vezes mais do que o PAI Singular e o PAI Colectivo recebe um pouco mais do que o PAI Singular);
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Há desadequação remuneratória, ou seja, 35 € é insuficiente (não chega) para o exercício saudável, ético e competente do serviço de avaliação.
Se por exemplo a banca cobrasse 500 € pela avaliação do activo ao cliente pedidor do empréstimo, pagasse 200 € ao PAI Colectivo e este pagasse 100 € ao PAI Singular, poder-se-ia afirmar que apesar de haver remuneração adequada pelo serviço, a mesma continuava a ser desproporcional.
Deixemos de parte a injustiça da desproporcionalidade e foquemo-nos apenas na injustiça da desadequação remuneratória, pois esta é que traz algum desconforto na vida real. Dizemos desconforto porque já existe o sentimento de que aquilo que se recebe não chega para se viver de forma digna, ou pior ainda, aquilo que se recebe não chega para pagar as despesas inerentes ao serviço, ou pior ainda, a profissão de avaliador (leia-se de PAI Singular Externo) dá prejuízo e como tal, deve ser abandonada.
Façamos umas pequenas contas para aquilatarmos da justiça da afirmação proferida.
Estimemos, o tempo médio consumido por um avaliador no ato de avaliação, por exemplo, de uma fracção habitacional.
Preparação (marcar avaliações) 0,10 hora
Viagem ao local 0,50 hora
Visita imóvel 0,25 hora
Regresso ao local de trabalho 0,50 hora
Recolha de referências 0,25 hora
Elaboração e envio de relatório 0,40 hora
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Total 2,00 horas
Identifiquemos agora as despesas que um PAI Singular Externo tem anualmente no exercício da sua atividade de avaliador.
DESPESAS COM A DESLOCAÇÃO
d1 = 1/4 do custo de aquisição da viatura por ano
d2 = Custo do combustível consumido por ano
d3 = Custo de pneus consumidos por ano
d4 = Custo de seguro por ano
d5 = Custo de revisões por ano
d6 = Custo de lavagens por ano
d7 = Custo de portagens por ano
d8 = Custo de parquímetros por ano
d9 = Custo de multas por ano
d10 = outros custos com a deslocação por ano
D = ∑ d
DESPESAS ADMINISTRATIVAS
a1 = taxa de supervisão CMVM por ano = 300 €
a2 = seguro de responsabilidade civil por ano = 400 €
a3 = quota anual da associação profissional por ano = 120 €
a4 = segurança social por ano
a5 = Irs ou IRC por ano
a6 = outros custos administrativos por ano
A = ∑ a
DESPESAS OPERACIONAIS
o1 = custo da renda do escritório por ano
o2 = custo da electricidade do escritório por ano
o3 = custo da água do escritório por ano
o4 = custo dos tonners por ano
o5 = custo com os selos por ano
o6 = custo das licenças de softwares por ano
o7 = custo do serviço de internet por ano
o8 = custo do serviço de contabilidade por ano
o9 = custo do serviço de telemóvel por ano
o10 = custo de outros serviços por ano
O = ∑ o
Anualmente, o avaliador despenderá o seguinte montante no exercício da sua actividade
G = D + A + O
Consideremos um PAI que em média executa 3 avaliações por dia.
Nº de avaliações realizadas em média por dia = 3
Nº de avaliações realizadas em média por mês = 22 x 3 = 66
Nº de avaliações realizadas em média por ano = 66 x 11 = 726
Nº de kms de ida e volta por avaliação = 30 kms
Nº de kms percorridos por ano = 726 x 30 = 21.780 Kms
Tempo médio do ato de avaliação = 2 horas
Horas de trabalho por ano = 726 x 2 = 1.452 horas
Estimemos as despesas anuais:
DESPESAS COM A DESLOCAÇÃO
d1 = 1/4 do custo de aquisição da viatura por ano = 30.000 : 4 = 7.500 €
d2 = Custo do combustível consumido por ano = 21.780 : 100 x 6 x 1,50 = 1.960 €
d3 = Custo de pneus consumidos por ano = 4 x 100 € = 400 €
d4 = Custo de seguro por ano = 600 €
d5 = Custo de revisões por ano = 1 x 200 € = 200 €
d6 = Custo de lavagens por ano = 12 x 5 = 60 €
d7 = Custo de portagens por ano = 10% x 726 x 2 x 1,0 = 145,2 €
d8 = Custo de parquímetros por ano = 10 % x 726 x 1,0 = 72,60 €
d9 = Custo de multas por ano = 120 €
d10 = outros custos com a deslocação por ano
D = ∑ d = 11.057,80 €
DESPESAS ADMINISTRATIVAS
a1 = taxa de supervisão CMVM por ano = 300 €
a2 = seguro de responsabilidade civil por ano = 400 €
a3 = quota anual da associação profissional por ano = 120 €
a4 = segurança social por ano = 350 x 14 = 4.900 €
a5 = Irs ou IRC por ano = 25.410 x 25% x 25% = 1.588,13 €
a6 = outros custos administrativos por ano
A = ∑ a = 7.308,13 €
DESPESAS OPERACIONAIS
o1 = custo da renda do escritório por ano = 0 €
o2 = custo da eletricidade do escritório por ano = 15 € x 12 = 180 €
o3 = custo da água do escritório por ano = 10 € x 12 = 120 €
o4 = custo dos tonners por ano = 3 x 20 € = 60 €
o5 = custo com os selos por ano = 2 x 12 = 24 €
o6 = custo das licenças de softwares por ano = 70 €
o7 = custo do serviço de internet e telemóvel por ano = 40 x 12 = 480 €
o8 = custo do serviço de contabilidade por ano = 50 x 12 = 600 €
o9 = custo de outros serviços por ano
O = ∑ o = 1.534 €
Deste modo, teremos para o tota das despesas anuais:
G = D + A + O = 11.057,80 + + 7.308,13 + 1.534 = 19.899.93 = 19.900 €
Remuneração por ato de avaliação = 35 €
Remuneração bruta anual = 35 x 726 = 25.410 €
Receita por hora de trabalho sem despesas = 25.410 : 1.452 h = 17,5 € por hora
Remuneração líquida anual = 25.410 – 19.900 = 5.510 €
Receita líquida por hora de trabalho = 5.510 : 1.452 h = 3,8 € por hora
Se repararmos, temos uma receita líquida anual de 5.500 € que corresponde a pouco mais de 450 € por mês para pagar as despesas da vida pessoal (almoços, supermercados, férias, remédios, médicos, etc.).
Como se constata, um PAI Singular externo ganha menos do que uma mulher a dias.
Como pode o exercício da actividade de avaliação ser de qualidade com este nível remuneratório???
Ora, acordem de vez para esta realidade.!!!!
Não acreditam nos números???
Façam, então, a vossa contabilidade anual, apurem as despesas, mas todas as despesas que têm de suportar durante um ano para o exercício da actividade de PAI e vejam depois, quanto sobra.
ACORDEMOS TODOS DESTE PESADELO QUE JÁ DURA HÁ MAIS DE 20 ANOS.
RUY FIGUEIREDO
8 DE JULHO DE 2018